[REPORTAGEM]: Marés Vivas (3º Dia) | Cabedelo | 16 Julho 2011



Por alguma razão misteriosa e superior às nossas vontades, o S. Pedro zangou-se connosco e decidiu fazer das suas. Temos cá para nós que o padroeiro queria mais rambóia e dias de festa e por isso quis surpreender no último dia. Mas o céu cinzento não intimidou os mais persistentes que aguardavam ansiosamente pelo cartaz recheado do terceiro dia. Afinal de contas, (re)visitar os anos 90 sabe sempre bem. No habitual reconhecimento do terreno – isto ao terceiro dia torna-se cada vez mais curioso – reparamos que este festival é tão diversificado como intercultural, o que prova que ainda é possível agradar a gregos e a troianos - se é que me entendem. Entre a malta jovem e algumas crianças surgem agora mais pessoas de meia-idade e tudo parece estar em harmonia. Se os mais novos esperam pelo libanês hiperactivo Mika e pela revelação portuguesa Aurea; os Cranberries e os Tindersticks têm a sua quota-parte de seguidores neste último dia. E ainda bem.

Mia Rose, que ficou conhecida em Portugal através de vídeos espalhados no YouTube, esteve trinta minutos em palco e a timidez pareceu tomar conta dos minutos iniciais enquanto o público ainda não se tinha aproximado para a ver actuar. Depois, o alinhamento cuidado acabou por fazer o resto e as versões que interpretou chamaram a atenção de alguns que não deixaram de acompanhar as letras ao pormenor. No entanto, o momento mais aguardado foi o single que a catapultou para a fama: Let Go. Esta música foi entoada a muitas vozes.

Os Azeitonas sabem o que valem e encheram o palco secundário num abrir e fechar de olhos. Todos os conhecem – até porque foi só atravessar o rio – e daí até começar a festa foi um tirinho. O público não se calava, as palmas foram mais que muitas e estamos cá é para vos vermos felizes. Nem digam isso duas vezes. As letras e músicas entram no ouvido e são fáceis de trautear: ingredientes felizes num fim de tarde chuvoso. Mas ninguém deu conta. Quem és tu, miúda? Se a casa estava cheia foi assim que veio abaixo. Saltos, abraços e euforia. É o que se quer, está visto.

Na pontualidade das 20.30h e com a chuva a pairar na cabeça de todos, Aurea apostou tudo na sua voz potente e ganhou a parada. Não foi preciso mais nada para chamar os que ainda se abrigavam no palco Moche. A voz é uma boa arma e Aurea estudou a lição. A simpatia, essa é natural, já se sabe e vem por acréscimo. Aliás, a chuva até deu um certo ar coloquial ao concerto e em determinados momentos até pareceu que estávamos algures em Londres a ouvir uma grande banda de jazz. Mas é tudo produto nacional, meus amigos, não há que enganar. Descalça em cima do palco – e com olhos pretos esfumados que se afirmam já como imagem de marca - Aurea conseguiu a atenção do público e se corríamos o risco de nem sequer a conhecermos ou darmos por ela, quando soaram os primeiros acordes de Busy For Me todas as dúvidas se dissiparam instantaneamente. Mas nem só de um single vive uma artista em ascensão. E fizemos barulho, cantamos e dançamos como ela pediu – porque somos os maiores. Teve ainda tempo de surpreender com uma versão de Prince. Kiss, conhecem? A pergunta não se fez rogada. É claro que sim, ora. Mas não te vás embora sem nos deixares cantar mais um bocadinho. A voz é que interessa, que se lixe a chuva. E ela fez-nos mesmo a vontade.

E agora damos de caras com o concerto menos consensual do Festival Marés Vivas. Mas agradecemos a pés juntos a oportunidade de ver ou rever Stuart Staples e os seus Tindersticks. Que a diversidade cultural é uma bênção. Obrigada, já disse? Porque o homem tem uma voz que encanta qualquer um(a). E mesmo os mais cépticos têm direito às suas dúvidas antes de caírem rendidos perante a actuação de uma banda que merece todas as vénias e o respeito antigo de quem a ouve há eternidades. A chuva é um mero acessório mas – convenhamos – assenta que nem uma luva ao ambiente criado pelos Tindersticks. E se isto não é perfeição, belisquem-me. Chamem-lhe melancolia, depressão ou o que quiserem. Eu chamo charme e competência. Estamos no Verão, é certo, queremos dançar, saltar e gritar. Mas também não faz mal nenhum parar e reflectir um bocadinho. Digo eu, que fui atingida logo à primeira música. Yesterdays Tomorrow: digam lá se começar o concerto assim não é de mestre? E depois foi um desfilar de velhas glórias e o sossego perturbador que se fez sentir foi mais merecido do que ignorado. Porque os que abandonaram o recinto estavam mais preocupados com a chuva do que com sentir o que só pode vir de dentro. Acontece. Mas o aplauso final depois de terminarem com chave-de-ouro (a All the Love foi magistral) provou que o público presente ainda sabe reconhecer os seus mestres.

Pazes feitas com o festival. Até porque Dolores O’Riordan entra a matar e aí duvidamos que já tenham passado mais de quinze anos desde a primeira vez que os ouvimos. Analyse chegou cheia de força e bem que foi precisa para despertar os mais distraídos. E de repente os anos 90 ali tão perto. Provavelmente ninguém estaria a contar que a banda continuasse em tão boa forma. Os anos não passaram por eles. Dolores O’Riordan esbanja charme por todos os poros e a voz contínua inconfundível de tão doce e agreste que é. A boa notícia é que depois de um longo interregno voltam a lançar cartas na mesa. Schizophrenic Playboy é bem exemplo disso e a julgar pela reacção do público vai ser mais um sucesso. É fácil gostar dos Cranberries. As letras continuam na ponta da língua – como é que é possível? – e os males de amor continuam a ser receita universal para a aceitação de todos. Ninguém canta como ela, também é verdade. E a nostalgia e a chuva ajudam a compor o ramalhete. Por instantes somos apenas brindados com o som dos instrumentos e a voz dela (as luzes do palco falharam) mas isso pouco importa e até parece coisa mágica ou desígnio vindo do céu. Se é que a interpretação pode ser mais intensa, que a gente desconfia. Dolores O’Riordan não se atrapalha minimamente – diz que são anos e anos de experiência mas, caramba!, esses não lhe caíram nada em cima – e pronto, vai daí o espectáculo tomou rédeas de inesquecível. Entre sonhos e zombies já ninguém se esquece do que ali se viveu.

Quarenta minutos volvidos e 22 mil pessoas à espera de Mika. O cabeça de cartaz com honras de encerramento não deixa os seus créditos por mãos alheias. Músicos vestidos de damas de honor de antigamente a fazer lembrar um qualquer filme da Marie Antoinette e quadros de outros séculos espalhados por tudo quanto era sítio levaram ao delírio os mais novos. Depois foi só atirar um Relax, Take It Easy para o sucesso se dar como garantido. Aparência, muita aparência e uma boa dose de teatro. Assim se monta um grande espectáculo. Soltar o sorriso e arriscar falar português também costuma dar bons resultados. Enfiar baladas no meio de êxitos consagrados que nos tiram os pés do chão é de quem sabe o que faz. Divertimento foi a palavra de ordem até ao final. Dançou-se até cair para o lado: Mika sacou de Lollipop e foi bonito de se ver.

O Marés Vivas regressa para o ano mas já está a deixar saudades – provavelmente vem com mais um dia debaixo da cartola e com outro local em vista para dar melhor resposta às necessidades do público. Os que costumam frequentar este festival já estão habituados a estas mudanças. Tudo por uma boa causa, não é verdade? Por cá, aceitam-se sugestões para os próximos cabeças de cartaz.


PALCO SUPER BOCK
Mika
The Cranberries
Tindersticks
Aurea

PALCO MOCHE
Os Azeitonas
Mia Rose
Baile Tranquilo: Marcelinho da Lua convida Fernanda Porto

REPORTAGEM SUPER BOCK SUPER ROCK 2011:
1º Dia (14 Julho 2011)
2º Dia (15 Julho 2011)
3º Dia (16 Julho 2011)



PALCO TMN



PALCO MOCHE



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Fotos: Carina Guilherme
Texto: Vanessa Silva
Agradecimentos: PEV Entertainment
Local: Cabedelo, Vila Nova de Gaia
Data: 16 Julho 2011 (3º dia do festival)

2 comentários:

Anónimo disse...

Gosto de ver as reportagens da Tribo da Luz, não só pelas boas fotografias (e este Mares Vivas foi muito bem documentado nesse aspecto) mas principalmente pela excelente descrição dos vossos repórteres. Não estive no festival mas depois de ler o que li é como se tivesse estado. Excelente.

duSi_ disse...

Olha eu armada em pintainha! :-) Das minhas melhores fotos em festivais, sem dúvida!

Fotos fantásticas! :-)

Sugestão para o próximo cartaz: R.E.M. !!!

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