As pessoas a chegar ao Coliseu dos Recreios, no dia 6 de novembro, enquadravam-se num estilo muito próprio. Poucos membros da audiência tinham menos de 20 anos. Interessantemente, ouvia-se muito italiano na plateia. Ainda assim, o Coliseu não chegou a encher, nem por sombras, para ver os Skunk Anansie. Plateias bem preenchidas e bancadas bem compostas, mas com grandes clareiras de pessoas por lá.
O concerto de abertura dado pelos australianos The Jezabels só atraíram uns quantos para o gradeamento que separa a plateia com o palco, provavelmente não conscientes de que estavam perante uma banda que tirou das mãos de Gotye o Australian Music Prize [“Now you’re just a prize that I’d like to own”?]. Só com um LP na bagagem, de nada se poderia dizer que eram australianos. A frieza das canções adornadas pesadamente com um sintetizador e uma guitarra poderosa relembra a sonoridade de bandas como Crystal Castles mas mais grungy. Os movimentos de dança da vocalista Hayley Mary poderão causar algum embaraço em segundo grau, lembrando aquelas miúdas de pés descalços que apanhamos por vezes a dançar sozinhas durante um festival de verão, mas de leggings apertadas e com padrão de pele de cobra, é a intensidade com que se embrenha na música que faz com que esqueçamos o número exagerado de movimentos pélvicos, prestando atenção ao poder e a sinuosidade da sua voz em vez da do seu corpo.
Acabam o concerto, e as pessoas sentam-se no chão, vão buscar uma cerveja, dançam durante os sound checks das várias guitarras de Ace e Cass e a música de fundo passava uma versão mais country de “99 Problems”. Quando passa das 10 horas da noite, o público assobia, pede então pelo grupo que todos querem ver. Os Skunk Anansie são uma presença ainda relativamente recente: estiveram em 2009 no mesmo salão, que teve a sua lotação quase esgotada, mas já são muitos aqueles que querem matar saudades ou não querem perder a oportunidade para os ver desta vez. O pedido é cumprido, e menos de 3 minutos depois, as luzes apagam-se, vê-se na cortina erguida no palco uma caveira animalesca e estilizada com poses dos próprios membros da banda, que ilustra o novo trabalho do grupo britânico que se tornou um dos mais influentes da década de 90, «Black Traffic». Salvo isso e o constante clarão intermitente de flashes das câmaras e telemóveis no ar, num ambiente não muito aconselhável a epiléticos, é a escuridão total. “É ela que se está a pentear”, brinca alguém, referindo-se à carismática cabeça rapada que a vocalista Skin imortalizou no rock britânico.
É sob um vídeo de uma viagem por estradas semelhantes às portuguesas [e diga-se “semelhante” por não se ter a certeza que não terá sido um toque nacional simpático da parte da banda britânica] que os membros do grupo sobem ao palco. Primeiro a guitarra, seguido pela bateria, dão sem qualquer apresentação desnecessária a indicação de qual será o ritmo durante a performance inteira. Skin corre para o palco, envergando um catsuit justo de lantejoulas e uma túnica de franjas de cabedal, cabeça com uma crista bem hirta. Não para de saltar, de correr, de se mexer, de se colocar em cima dos amplificadores. “The Skank Heads” é o primeiro mote de como o resto da noite decorre: apressada, intensa, de rock’n’roll e punk e tudo aquilo que poderão querer chamar ao estilo de música do grupo, que eles não se importam. É a atitude que importa, e o chamamento a uma presença ativa e de finca-pé que é apelado com cada canção.
Os Skunk Anansie não são só Deborah Dyer, isto é, Skin, mas também um conjunto de músicos hábeis e com uma presença interessante – é o guitarrista Ace que é o mais discreto e o baixista Cass o que se chega à frente para receber melhor e para picar ainda mais o público. Mark Richardson é um dos bateristas com melhor andamento desde 20 anos atrás, dominando um set duplo. Mas Skin é um espetáculo não só por aquela voz que é tão suave quanto mordaz, mas também pela sua presença em palco: É uma miúda pequena e uma diva e uma tease, todas enroladas numa senhora britânica que se enquadrou num local difícil no mundo do rock, sem extravios que o seu género e/ou raça poderão ter encaminhado muitas outras. A sua energia inigualável baseia-se no ato que muitas senhoras de iguais 45 anos gostariam de exercer, perder compostura para atuar do mesmo modo. Não que a compostura fosse para ali chamada, nem para libertar todos os demónios que nos possam pesar nos ombros naquela noite. Tocam “I Wil Break You”, do novo álbum, e canta com o suporte do microfone aos ombros – quem esperava um pouco pelo baloiçar do mesmo contra um amplificador?
Mas nada disso. Foi de 1994 a 2001 que se deu a primeira fase do grupo, onde os trabalhos mais antigos incidiam sobre o shock factor com mais frequência, sobre temas que pelo menos deixavam alguma comichão na nuca de quem prestasse atenção. Depois, a partir de 2009, o tempo passou por cada membro da banda e apesar da energia ser ainda contagiante, existe uma calma e uma particular atenção a detalhes que só um grupo que passou por muito consegue transmitir e [pois lembremos que uma Joss Stone de 17 anos cantava de vivências e grandes problemáticas, e agora Taylor Swift fala de um imenso coração partido e Bruno Mars fala de martírio como se passasse pela paixão de cristo] ser credível. Apesar de entusiástica e com uma atitude de quem não dá um tostão pelo que as pessoas pensam, não se vê grandes loucuras em palco. Ainda assim, é na interpretação dos novos trabalhos como “I Believed in You” que se nota algum desgaste criativo e conceptual embora a execução ainda não tenha falha, e a reação de grande parte do público só chega à tolerância.
A paixão, no entanto, não se perde nem por nenhum momento por parte da banda. “God Loves Only You” e “I Hope You Get to Meet Your Hero” são exemplo disso, pois esticam-se entre um espetro mais calmo e de refrões simples mas impactantes apesar de estarem muito longe daqueles temas que nos fazem querer pôr botas de biqueira de aço nos pés e partir a loiça toda.
É em “Twisted (Everyday Hurts)”, um dos clássicos, e num dos quais os sons do baixo e da guitarra soam muito melhor ao vivo do que de qualquer outra forma, que as medidas da audiência se começam a encher. “My Ugly Boy” está cheia de esgares e sorrisos maníacos de Skin para o público, e todos gostam de ver uma cantora a perder um pouco as suas estribeiras. É uma curiosidade algo mórbida que se associa ao escapismo e à admiração, que se prolonga à seguinte “Weak” e muitos perguntam-se se será mesmo teatro ou apenas o caráter associado a canções tão dedicadas a tormentos amorosos e de falta de segurança. Duvida-se que seja o primeiro, pois é mesmo nesse tema que a cantora decide andar sobre o público, deitar-se e fazer crowdsurfing. Porque há momentos em que se tem de obrigatoriamente ser levada pela maré, nem que sejam mãos.
A impressão seguinte é de que muitos dos presentes lá estavam à espera do transporte que os levasse para os anos 90, com um saudosismo perpetuado por rádios que pegam em baladas e as repetem ad nauseum. Ainda assim, “Hedonism” é um dos momentos mais altos. O público canta o refrão sem sequer necessitar do microfone apontado para ele. A guitarra soa como um balancé enferrujado mas que só soa bem contra a brisa que é a voz de Skin.
O momento decisivo sobre a performance das novas canções do último trabalho foi logo após a declaração da vocalista, de sotaque carregado, de que por melhor que seja recordar o passado, são uma banda sobre o futuro. “Our Summer Kills the Sun”, novo tema, tem um uso inteligente das pausas instrumentais e um crescendo esperançoso, mas que acaba por perder o objetivo em oposição à tentativa de um verso que, por tanta insistência só consegue levar à exaustão. Mas como compensação, é a seguir, ao som de “I Can Dream”, que Skin salta de novo para o público e abraça efusivamente uma fã. Muitos tentam aproveitar a multidão folgada e correm para se aproximar mais da cantora, mas, hiperativa sem fim, é difícil de a apanhar. Apresenta um novo trabalho “Spit You Out”, de baixo poderoso, e depois “Because of You”, mas de certo modo, parece opinião comum que Skin fica melhor aos saltos e a mexer-se erraticamente. Porque é aí que os Skunk Anansie pertencem ainda. “Sad Sad Sad” parece mesmo provar isso, ainda que muito longe de um momento carismático, o ritmo é contagiante.
Mas é o final que faz com que o misticismo, nostalgia e saudosismo à parte, apareça de novo, apoiado no mistério agarrado à voz de Skin em “Charlie Big Potato”. Não é qualquer um que consegue criar um imaginário de um filme de terror à nossa volta num espaço tão grande, enquanto se atinge um pico de energia final. Cada membro da banda parece saber isso, e fá-lo perfeitamente.
É no encore que voltam para mostrar “Sticky Fingers In Your Honey”, tão apressado quanto o resto do concerto. “Secretly” deu a entender então que a maior parte do público era de facto, feminino [ou então muitos jovens na plateia sabem atingir um falsetto invejável], na balada mais conhecida. “Tear the Place Up”, da compilação «Smashes and Trashes», leva a um headbanging por parte de muitos, mas com um ritmo difícil de acompanhar. É um apelo ao mosh pit mais do que uma explosão final, mas nesse último momento, ninguém fica com a ideia de que há mais a desejar.
“Veem? Eu disse que ela se estava a pentear!”
Alinhamento:
Skank Heads
I Will Break You
I Believe in You
God Loves Only You
I Hope You Get to Meet Your Hero
Twisted
I’ve had enough
My ugly boy
Weak
Hedonism
Our Summer Kills the Sun
This Is Not a Game
I Can Dream
Spit You Out
Because of You
Sad Sad Sad
Satisfied
Charlie Big Potato
~ENCORE~
Sticky Fingers In Your Honey
Secretly
Tear the Place Up
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Fotografia: Cátia Agapito
Texto: Carolina Rocha
Agradecimentos: Everything is New
Banda: Skunk Anansie
Local: Coliseu dos Recreios, Lisboa
Data: 6 de novembro de 2012
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