[REPORTAGEM]: Optimus Alive (Dia 2) | Passeio Marítimo de Algés | 14 de Junho 2012



O segundo dia do Optimus Alive 2012 prometeu mais sol e menos “pequenada”. Se o segundo dia do festival no Passeio Marítimo de Algés não esgotou, terá sido por pouco: pareceu que a audiência mais nova tivesse sido substituída por um público mais velho, mais dark, talvez um pouco mais poético. Não é de admirar, dada a derradeira atuação da noite: uma maratona dos The Cure, que prometiam 3 horas em palco. Corria o burburinho de que muitos desistiram da vinda ao festival devido à ausência de Florence Welch, vocalista dos Florence + The Machine, que tiveram de cancelar o concerto por doença súbita, mas se assim o foi, não se notou.

Deixe-se uma nota de relevo para o esforço contínuo da equipa de limpeza empregue no recinto. Elementos, devidamente identificados, estavam atentos aos (muitos) copos de plástico esquecidos no chão, e as reuniões de organização e planeamento sobre a abordagem a certas áreas eram bem visíveis. Uma iniciativa que chamou a atenção de alguns festivaleiros e é aplaudida.


O Palco Heineken arrancou com a atuação da ruiva Lisa Hannigan, quem se revelou numa grande performance que deixou pessoas que a desconheciam a procurar com entusiasmo os seus trabalhos nos respetivos smart e iPhones. Com um vestido leve e ar de fada celta, a antiga parceira de Damien Rice conquistou o público com o seu timbre doce, a simpatia no topo do palco, e um folk mágico e contente (não de pôr as pessoas aos saltos, mas um que puxa as bochechas para trás num sorriso). Ninguém saiu indiferente daquele concerto, encantado com os temas mélicos, melódicos (e muitos outros adjetivos que acabem em “icos”) com uma suavidade que se apresentou como perfeita banda sonora para o final daquele dia soalheiro. Enquanto trocava de instrumento (primeiro um banjo, depois a harmónica, depois uma viola acústica, tal hábil Jane of All Musical Trades) a própria Lisa Hannigan estava surpreendida com a chegada gradual do público, mas que acabou por compor a tenda, pelo que perguntou se haveria alguém seu conterrâneo, da Irlanda, por ali. Muitos braços se levantaram. Lisa sorri mais uma vez, agradece, e é mesmo impossível parar de sorrir de volta. Estava posta a mesa para uma tarde de folk e cantigas com os braços em volta dos ombros dos amigos enquanto se balançam.


Em seguida, os britânicos Big Deal entraram em cena no mesmo palco. Dois guitarristas, sem bateria, apresentam-se como banda, não achando que se tratam de apenas de um duo rapaz/rapariga. Dizem que estão contentes em encontrar-se num festival onde podem ficar bronzeados, e procedem em tocar temas onde não é preciso muito mais do que o contraste dos seus tons vocais e o dedilhar quase ao desafio das guitarras em temas do álbum «Lights Out». Foi uma apresentação ao público português que deixou muitos atentos.


Abrem o Palco Optimus os portugueses We Trust. Projeto do produtor, fotógrafo e compositor André Tentugal, apresentaram o álbum «These New Countries». O público recebe-os bem, quer nas canções da própria autoria, quer no rápido reconhecimento de acordes e até primeiros versos de músicas como “Smooth Operator”, de Sade, ou Chemical Brothers. Tal mostra ma versatilidade que pode vir a ser grande aliada da banda, mas ainda dando a ideia de se tratar de uma jam session. Dados os respetivos tributos, a audiência recebeu o single “Time (Better Not Stop)” que tem estado no ar de algumas frequências radiofónicas, com entusiasmo, entre outras.


Voltando ao palco secundário, os nova-iorquinos Here We Go Magic encheram a tenda que servia de cobertura ao espaço atribuído à plateia. Até lá, as guitarradas tinham um cariz mais soft, mas a banda de Luke Temple aumentou um pouco mais o volume, ou talvez tenha aproveitado o exagerado reverb que alimentou o palco Heineken durante quase o festival inteiro, levando o público a apreciar um noise que invadiu a cabeça de todos que escutavam e fizeram descartar a suavidade com sabor a verão das bandas que lá tinham passado. Parecendo dizer “falemos de coisas sérias e passemos à introspeção por uns momentos”, temas do último álbum «A Different Ship» como “Make Up Your Mind” fizeram levantar muitas questões (cujas respostas viriam das próprias pessoas que as colocavam) quanto à intensidade das letras, a sofisticação dos acordes e ao quanto daquilo oferecido pelo grupo consiste numa espécie de treino de preparação ao experimentalismo. “I Believe In Action” e “Collector” foram as canções que mais erradicaram a simpatia do público que maioritariamente se apresentava apreciativo mas tranquilo, salvo os grandes fãs nas primeiras filas.


Quem se dirigisse ao Palco Optimus a partir das sete e meia da tarde teria ficado com a sensação de estar a envergar um colete e um chapéu de palha, e de repente transportado a uma vizinhança campestre que se reunia no café para cantorias e umas cervejolas. Imagem quase estereótipo à parte, que talvez não faça muito sentido face à própria noção da música nacional associada a esse tipo de ambiente, a verdade é que tanto os Noah and the Whale e os Mumford & Sons têm sonoridades bastante semelhantes.

Da estreia dos Noah and the Whale não se poderia ter esperado mais, e muitos, de facto, os esperavam, tendo os seus trabalhos conquistado não só os ocasionais espectadores (e muitas vezes cantores) ingleses que lá estavam, como o próprio público português. Começaram leve, levemente, com canções como “Give it All Back” e “Rocks and Daggers”. Charlie Fink, de olhar semicerrado, mas atento, sobre o público, estilo de cantor cuja fotografia as meninas dos anos 50 guardavam nos diários, gentilmente pegou na mão de cada um e moveu a audiência para um cocktail de bluegrass e folk britânico que parece tocado com instrumentos em segunda ou terceira mão (pelo carácter vintage e não pela qualidade instrumental, diga-se). Fink elogia o bom tempo e dedica “Blue Skies” ao mesmo. Engane-se quem pense que estas canções se tratem de dias a mastigar caules de margaridas no meio de prados, sardas nas bochechas e calças arregaçadas até aos tornozelos; temas como “L.I.F.E.G.O.E.S.O.N.” estão repletos de histórias de vida que são tudo menos simples, mas a banda e o próprio Charlie Fink se dedica a contar. Para aprender, mais do que a desabafar connosco. O público agradece, e quere-los de volta.


Uma pequena saltada ao Palco Heineken, para um cenário mais urbano. Os também nova-iorquinos The Antlers (parece-me notar um padrão na geografia e inspiração aqui) estão dedicadamente a entregar canções do seu último álbum para um público maioritariamente aconchegado em assentos. É um pop meio shoegaze e sonhador, com o agudo de Peter Silberman a alicerçar o minimalismo do último álbum «Burst Apart». Diz-se que Tricky dizia “these guys are good” de cerveja em punho na área da alimentação. Justifica-se: trata-se de um grupo de canções algo melancólicas e poderosas nos termos mais psicológicos, tendendo a alcançar momentos de solidão mesmo quando estamos em plena multidão com um objetivo comum. “Rolled Together” é insistente e assim é também o pedido para deixarmo-nos levar pelos sons e não pelo que os espetadores viam. Ainda assim, mantinham-se discretos, mesmo quando temas como “Two” ou “Bear” suscitavam maior extase entre a audiência.


Muitos dos que ficaram pelo mesmo palco estavam lá por uma simples razão. Vá, admita-se, estavam à espera de “Sail”, dos Awolnation, que incendiou e os trouxe aos ouvidos do público português através de um anúncio de telecomunicações. Nada de mal nisso, mas justifica um pouco o espanto das pessoas que os desconheciam ao se depararem pelo rock californiano que a banda apresentou, esperando talvez uma seleção musical diferente. “Parece o Kurt Cobain surfista e muito mais alegre,” diz alguém. Talvez, se bem que a resposta era unânime: muito mais alegre, de facto, apesar da prestação aguerrida em palco do cantor Aaron Bruno. É uma mescla interessante de rock eletrónico que descarrila por vezes para o metal. A voz de Bruno foi surpreendente, ao ponto de lembrar mesmo os berros icónicos dos The Who ou Rage Against the Machine, ainda naquilo que muitos consideraram uma das desilusões do festival. Tal não parece unânime: temas como “Freedom” e “Kill Your Heroes” puxavam pelas pessoas que iam enchendo o local. “Don’t be afraid to let loose. This could be the greatest night of your lives!” Grita, enquanto convida o público a entrar num grande mosh pit. Atirou-se ao mesmo para fazer crowdsurf. Afinal, o vocalista é mesmo surfista, e pelos vistos não teve tanto tempo para visitar as nossas praias. Pode ser que volte para o fazer.


Entretanto, o público era conquistado pela banda Mumford & Sons, no palco principal, na exibição que na opinião de muitos foi das mais embelmáticas da edição de 2012, e talvez uma no Top 3 das mais memoráveis do dia 2. Só o esforço de tentar falar em português ao explicar de onde vinham as canções encantou a audiência, que se munia de cartazes como “Marcus, take off your shirt!” É um grupo de folk com muita personalidade e charme que muitos gostariam de ter, e isso vê-se evidente no olhar atento dos maiores fãs, agarradíssimos às grades perto do palco, na quantidade de copos levantados e refrões cantados em coro, nos abraços espontâneos entre amigos, apesar do grupo só ter lançado um álbum (e anunciado, num luso arranhado, a chegada do próximo em setembro). Canções como “The Cave” e “Roll Away Your Stone” deliciaram os que lá ficavam, mesmo os que só faziam ponto de espera para os The Cure, mais tarde. Marcus, de mão lesionada, convidou um amigo para tratar dos momentos em que ele mesmo seria guitarrista, o qual tomou conta do recado. Muitos dos ingleses que terão ficado entusiasmados com os The Stone Roses no dia anterior sabiam as músicas de cor, e eram dos que se mostravam mais entusiasmados e não perderam tempo em transformar a folk em cânticos embargados, como acabadinhos de sair de um pub. Foi com um “até breve” que se despediram, e deixaram os fãs ansiosos, decerto atentos para a próxima paragem em terras portuguesas.


Entretanto, um senhor que marcou os anos 90 para de deambular pelo recinto e sobe ao Palco Heineken. Tricky, de nome próprio Adrian M. Thaws, foi convidado ao festival juntamente com a sua parceira Martina Topley-Bird para fazer a revisão do seu primeiro álbum, «Maxinquaye»; isto após a reinvenção do mesmo e de atuar o seu alinhamento em vários concertos no Reino-Unido. Tal não foi possível. Topley-Bird não pode comparecer, e o revisitamento de um dos melhores álbuns da década de 90 deixou de fazer sentido. O concerto começa de forma expectante, com o clássico “Feeling Good” de Nina Simone, cantado pela parceira que Tricky trouxe para as secções mais líricas das suas canções, e quem esteve bem a par do seu papel. A escolha tanto dos seus temos como de covers é seleta, mas definitivamente carismática, e o cantor que quase a contragosto montou o palco ao Trip-Hop nos anos 90 apostou em orquestrar os membros de instrumental de forma marcante. Quase não disse palavra, as suas introduções em canções como “Karmacoma” meramente ali para marcar presença. Mas a verdadeira presença, a de uma personalidade histórica que marcou um caminho distinto daquele ladeado por camisas de flanela, radia de um corpo tatuado mas deceptivamente magro, e é notável. Agradado à devoção e reação da audiência, pede ao público para invadir o palco não uma, mas duas vezes, uma ao som de “Ace of Spades” dos Mötörhead e outra ao som the “Psychosis” que se remete incompleta, tal é o frenesim. Os membros do público respondem e escalam rapidamente para estar mais de perto do cantor e, note-se, para apenas alguns, ousarem agarrar-se a ele. O raro momento de crowdsurfing no próprio palco cravou-se com o punho de um ex-prisioneiro no Hall of Fame do festival.


Trabalho ingrato, o dos Morcheeba, que substituiram Florence + The Machine devido ao cancelamento subito por razões de saúde. A própria banda, ao colocar os pés no Palco Optimus, admitiu só saber que iria atuar perante o público português no dia anterior, a meio da tarde. Perfeitamente conscientes de que muitos estavam ali para ver a banda que atuaria a seguir ou que não se tratavam de Florence Welch e companhia, encheram o público com temas bem conhecidos como “Otherwise” e “By the Sea” com uma graciosidade e profissionalismo de louvar, especialmente perante um público inicialmente reticente. Skye Edwards apresentou um pequeno teaser de “You’ve Got the Love”, da própria banda que vieram substituir, para começar com o êxito “Rome Wasn’t Built in a Day”. “Epá,” dizia alguém, “é obra: muitos grupos já poderiam ter-nos mandado dar uma volta,” admite. Embora morno, morninho, o concerto encheu bem o tempo e o ar com sons suaves para preencher uma hora e meia e o público ficar satisfeito.


Entretanto, Katy B estreava-se em Portugal e impressionou no Palco Heineken. Um palco com uma assistência supreendente, já que a plateia para assistir a The Cure já se teria composto e ainda havia bastante gente à espera da atuação da cantora britânica. De voz forte e clara, ligada a um R&B bastante electro, a cantora de apenas 23 anos chegou até a cantar o single “Sweet Dreams” dos Eurythmics, encantando o público.


Já o concerto dos The Cure, bastante ansiado pela maior parte dos presentes, principalmente daqueles com idade superior a 35 anos, começou como se não quisesse nada com ninguém. É uma subtileza própria de uma banda com muita história, e que tendo anunciado uma autêntica maratona de três horas no palco, sabe gerir as energias. Uma a uma, foram 36 canções ao todo que emocionaram o público, mas de forma muito calma. Alguém sugeria, entretanto, que o ambiente seria melhor num recinto fechado, mais intimista, com um concerto só deles, em vez do contexto festivaleiro em que se encontravam. Essa ideia recebeu até algum feedback positivo daqueles aos quais a sugestão se dirigia. Talvez, mas a verdade é que desde o folk veraneante à introspeção experimentalista, o dia inteiro de repente pareceu se tratar de um build-up para esta performance em especial.
Foi um autêntico teste aos verdadeiros fãs do grupo, e aos que somente estariam ali para dizer que estiveram a ouvir os The Cure tocar ao vivo algumas das músicas que conhecem. A maior debandada terá sido depois de “Boys Don’t Cry”. A verdade é que muitos boys não choraram, mas ficaram por lá até ao fim, sentidos, isso sim, com uma onda de nostalgia que transportava para outros tempos. A poesia de Robert Smith bate ainda no peito de muita gente, com boa razão devido ao seu hábil sentido de ser e de intensidade, de tal forma que não se lhe pediu mais do que o sorriso sincero que veio a esboçar, com a visível sensação de ter feito um bom trabalho no final de tudo. É como se, físico à parte, mantivesse a candura intelectual e de veludo negro de um rapaz estranho rodeado pela cultura exuberante dos anos 80. Mesmo quando tocaram “10:15 Saturday Night” (e estava muito longe de ser 10 horas e um quarto... o que quer dizer quen nem sábado era), pediu desculpa com antecedência por não a tocarem há muito tempo, e colocando a sua total confiança no público para o ajudar a acertar na letra. Um momento que suscitou a simpatia de todos, mas que relega, de facto, a banda à Velha Guarda. Se é que já lá não estivesse.

O concerto terminou para muitos com uma vontade imensa de chegar a casa. Sentimentalismo de parte, são 3 horas em pé, e muitos aguentaram mais do que isso. Mas aquele pensamento que pairava no ar era comum para todos: assistiu-se ao um verdadeiro marco de uma geração, um que Portugal poucas vezes tem a a oportunidade de ter, até agora. Para mais tarde recordar.

REPORTAGEM OPTIMUS ALIVE 2012:
1º Dia (13 de junho 2012)
2º Dia (14 de junho 2012)
3º Dia (15 de julho 2012)

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Texto: Carolina Rocha
Fotos: Rúben Viegas e Silvia Lopes
Agradecimentos: Everything is New
Festival: Optimus Alive
Local: Passeio Marítimo de Algés
Data: 14 de junho de 2012

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