[ENTREVISTA]: SALTO



Não posso dizer que entrevistei os Salto!. Aquilo pareceu-me mais uma conversa do que uma entrevista. E ainda bem. Logo ao início, esta dupla da Maia mostrou que a música deles é tão animada exatamente por ser uma reflexão daquilo que são. Apesar de um dia inteiro de entrevistas, Guilherme Tomé Ribeiro e Luís Montenegro estão cheios de sorrisos, dão-me a ideia de que os conheço há anos.

De longe, talvez, pelo que lhes pergunto aquilo que gostaria de saber desde a última vez que os vi: como correu para eles o concerto no Super Bock Super Rock?

“Algo atribulado,” diz Luís com um encolher de ombros. “A guitarra do Guilherme teve cordas partidas algumas vezes.” Guilherme explica: “Tive de trocar três vezes de guitarra. A minha guitarra… estava tudo direitinho, cordas novas… e parte a corda! Pego numa que, erro básico, me esqueci de afinar antes. Não estava fixe. E então, na minha boa consciência, parei de tocar. Ainda foram buscar a dele [Luís] enquanto me foram afinar a outra… foi três vezes, ainda me trouxeram uma que estava desafinada.”

“Nunca tinha acontecido nada assim. Costumo partir cordas, mas é nas últimas músicas. Só em concertos importantes é que isto acontece! Também não percebo porquê!”

Como um case study exemplar de banda que estreia o seu primeiro álbum, em digressão e em constante fase de aprendizagem, demonstram sensatez e disponibilidade em se adaptar para dar as voltas às dificuldades, não escondendo os percalços que tiveram até à data. “Acho que ainda temos muita coisa a fazer, também, e o concerto no Super Bock Super Rock, com baterista, está muito pouco rodado, ainda. Faz a diferença. Mas não íamos dizer que não ao SBSR.”

“Os últimos quatro concertos foram com baterista [Rock in Rio, lançamento do álbum no Cinema S. Jorge, lançamento também no Porto e o Super Bock Super Rock] mas ainda tem muito pouca rodagem. No Rock in Rio percebemos que tínhamos de mudar uma série de coisas no que diz respeito a tocar com baterista e quanto às programações.”

Os membros dos Salto! são primos, e se a performance ao vivo revela cumplicidade, durante a entrevista ainda mais. Quando vem a pergunta sobre a sensação antes de entrar em palco e depois, falam do trabalho do outro. “Confesso que ainda fico nervoso antes do concerto,” diz Luís, que menciona não conseguir abanar aquele último nervosismo. Guilherme justifica “Ele tem muita coisa para fazer. São muitas coisas. Eu ainda tenho algumas, e já acho que é muito. Ele tem de ir a computadores, teclados, a mais não-sei-o-quê, tem muita coisa em que pensar”.

“Mais o problema da economia, é uma chatice,” brinca Luís. “Claro, e então, pensar na conjuntura atual!” Concorda Guilherme.

Voltando ao facto de que a entrevista não foi bem uma entrevista, a verdade é que esta dupla tem um sentido de humor apurado, atual, de uma inteligência de rápida resposta. É talvez isto que os caracteriza como algo fora do normal, adicionado ao de não se levarem tanto a sério. A capacidade de retrospetiva do duo é interessante. “No Super Bock, não há desculpas: devia ter estado tudo direito, não podia ter uma guitarra desafinada. Há coisas que não controlas, mas isso não podia acontecer,” reprova Guilherme, mas não sem tomar uma atitude positiva sobre isso mesmo. “Mas não vale a pena ficar a pensar tanto assim, na parva. Mais vale uma pessoa rir-se com isso do que fazer disso um filme.”

Aliás, é esta vontade de autoanálise que os leva a ter a iniciativa de falarem com outras bandas mais experientes. Não serão muitas as bandas que terão ficado a ajudar as outras a desmontar os palcos enquanto retiravam alguns nabos da púcara. “Os Battles [que atuaram no mesmo dia do festival Super Bock Super Rock, mas num palco diferente]. Ficámos horas a falar com eles. Estivemos com eles no fim a arrumar as coisas deles no palco, a perguntar uma série de coisas e eles explicaram-nos tudo,” diz Guilherme.

“Eles sabem imensa coisa e têm imenso a ver connosco,” acrescenta Luís. “Têm a ver com o nosso setup, os nossos computadores…”

Mas para ambos, a animação feita no Vodafone Mexefest, dentro de um autocarro, foi “apoteótica”. “Foi dos concertos que mais gostei de tocar, ainda porque estavam pessoas aí mesmo à frente, agarrados em cima dos teus sintetizadores,” explica Luís. Guilherme partilha a opinião, embora o trabalho dele tenha sido igualmente [se não mais] difícil: “Eu estava preso por um cinto – tirei o cinto das calças e prendi-me ao poste do autocarro, porque abanava. Foi uma javardice total. Se as pessoas começam a curtir, tu também começas a curtir ainda mais porque elas estão mesmo ali ao lado, aos berros em frente à tua cara. É muito fixe.”

“Nós gostamos do caos,” termina.

E é o método que utilizam. O próprio caos funciona aqui como um instrumento de iniciativa de criação mas também de experimentação, pelo que o álbum dos Salto! contém influências das mais variadas e essas, mesmo, são bem audíveis. Luís diz que ouvem muito Soul, muito R&B, muito Jazz, do mais variado. “Temos alturas, como estudamos música clássica, que a ouvimos também.”

“Sim, porque tens uma semana em que ouves um bocadinho de tudo. E depois tens fases, adoras um tipo de música e andas a colar-te em coisas só desse género,” explica Guilherme, que depois ilustra como exemplo o álbum dos The Invisible, grupo de Rock experimental da cena musical londrina. “Fui ver o concerto deles cá [Cinema São Jorge] e andava a ver o que iam lançar. São uma banda pequenina em Inglaterra, mas aquilo é bom. Ganharam o prémio da BBC, o Mercury Prize. Ainda ando a tentar perceber este segundo álbum porque ainda não me entrou como o outro. O primeiro era mais groovy, enquanto este é mais ambiental, paisagístico e contemplativo.”

No entanto, não foi do caos que os Salto nasceram, ou se o foi, é um caos com uma base muito sólida. Ambos membros acabaram o curso de Produção em Tecnologias da Música na Escola Superior de Artes e Espectáculo do Porto.

“É um curso muito técnico, onde aprendes a trabalhar em estúdio e ao vivo com som: sonoplastia, áudio, essas coisas todas,” começa Luís.

“Depois informática, acústica…” diz Guilherme.

“Análise Musical…”

“Teoria musical, história da música…” continuam.

A preparação não foi feita pelos Salto quererem formar uma banda, mas por pensarem como futuros produtores. “A vontade de fazer música já nascia de antes, e foi a pensar no futuro, mas não foi por aí. Mas ajuda-nos imenso para o Salto!” Explica Guilherme, chegando mesmo a comentar que essa educação veio a ajudá-los a definir como banda.

Na produção do álbum, contaram com a ajuda de New Max, dos Expensive Soul. “Estava a passear o meu cão [quando o conheci],” diz Luís. “E o meu cão foi atrás de um senhor, mordeu-o. E esse senhor era o New Max.”

Falando a sério, terá sido o primeiro produtor que escolheram quando lhes propuseram alguém com mais experiência para os ajudar na compilação do CD. Apesar da agenda pesada do MC, este disponibilizou-se a trabalhar com eles. “Passado um bocado – depois de lhe termos mostrado as músicas – liga-nos e mostrou-se interessado, diz-nos para arrancarmos. Ficámos a saber depois que ele quis mesmo fazer aquilo. Depois da primeira marcação com ele, a partir das primeiras datas assim sem grande à vontade, começamos a estar muito mais tranquilos. Porque ele é mais do que acessível, muito humilde.”

Afinal, a simbiose criativa não foi de todo difícil. “Começámos a dar-nos mesmo bem e isso foi muito bom para o processo,” explica Guilherme. “Não há tangas, o que for para dizer, diz-te; o que tu lhe quiseres dizer, podes dizer-lhe à vontade, porque ele não vai fazer disso um problema, não se vai sentir que está acima de ti. Com muito respeito, com muita dedicação, entregou-se áquilo com muita vontade de trabalhar e deu neste álbum.”

“Gosto muito. Gosto muito deste álbum”, admite.

O álbum já terá sido até apelidado de “veraneante”, algo que lhes parece, aos dois, muito bom, ainda porque não têm férias de verão há dois anos. Afinal, estiveram ocupadíssimos, os Salto andam como saltimbancos por todo o país desde 2010, tendo a partir desse ano realizado cerca de 60 concertos. Abriram os concertos dos conterrâneos GNR e também dos Cansei de Ser Sexy, banda da vocalista Love Foxx, que se lembrava muito bem da performance deste duo quando esta terá sido mencionada já no fim da digressão.

Mesmo o público dos GNR, muito diferente do “alvo” do grupo, constitui uma base de apreciação diferente que os Salto agradeceram. “Foi giro. Não é pessoal festivaleiro. Houve crítica de pessoas mais velhas - tens aí uma imprensa diferente, mais para aquele público, e mencionaram que éramos uns miúdos com vontade, mas que lhes faltava qualquer coisa. E éramos só dois, ainda não tínhamos baterista. Foi aí que começámos a roer e a pensar que devíamos meter ali qualquer coisa.”

Apesar de tudo, a falta de férias é para eles um bom sinal. “Significa que estamos a trabalhar muito”, diz Guilherme, pelo que Luís se apressa a extrapolar: “Estávamos a tirar o curso, depois estávamos a acabar o álbum, depois a misturar o álbum… E depois tivemos de dar concertos no final do ano passado… E depois neste verão estamos aqui a dar concertos e a tirar 10 dias…”

“E depois estamos de volta em força,” conclui Guilherme.

E a primeira coisa que farão quando estiverem livres será ir à praia, confessaram.

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Entrevista por: Carolina Rocha
Banda: Salto

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