[REPORTAGEM]: Eleanor Friedberger | Galeria Zé dos Bois | 14 de Maio de 2012



Era segunda-feira e estava muito calor, mesmo às 10 horas da noite. No entanto, a Galeria Zé dos Bois, em Lisboa, estava quase cheia para receber Eleanor Friedberger, uma metade do dueto The Fiery Furnaces, e a sua banda actuar. Muitos permaneceram nos locais mais arejados enquanto o concerto não começava e só entraram no último momento, ao soar dos primeiros acordes.

Talvez tenha sido por isso que a entrada dos músicos pareceu tímida, e o público também. Sentiu-se aquele remexer das pessoas, a olharem umas para as outras para ver o que o outro fazia e seguir o exemplo, sem saber como receber a banda, mas ainda foram recebidos por palmas, um grito ou outro. No entanto, os intervalos de silêncio são expectantes e, felizmente, fugazes. Eleanor começa rápido, sem nada dizer e irrompendo com o tema “My Mistakes”, do seu álbum a solo, «Last Summer».

A primeira característica a notar é que a voz de Friedberger não surpreende. Mas diga-se, no bom sentido: é uma voz alta, clara e firme, aquela a que nos habituamos dos trabalhos que realizou até agora com o irmão como “Furnace”. Imediatamente, quando “I Don’t Want to Bother You”, canção mais recente e ainda por editar, começa, denota-se que Eleanor está rodeada de bons músicos: no baixo, Matt Asti, que também trabalha com os MGMT, John Eatherly (Be Your Own Pet) na guitarra, Andy MacLeod, dos White Magic, na bateria. Asti parece uma viga com dedos precisos, olhos fechados – o único momento em que se viu alguma reacção mais efusiva foi só no encore, quando, apenas de sobrancelhas levantadas e pouco mais, declara que saiu fumo do amplificador que estava a usar – e semblante concentrado, que muitos consideram estranho. Eatherly, do outro lado do palco, é o oposto, mexe-se de acordo com cada nota que toca e balança para a frente e para atrás de acordo com as transições de ritmo e com os momentos nos quais necessita usar um dos pedais. MacLeod é preciso e dedicado na cadência dos vários ritmos, sendo até uma rara visão ao cantar a letra enquanto toca.

Finalmente, Eleanor dirige-se ao público, apresentando a próxima canção: “I’ll Never Be Happy Again”. “Esta canção chama-se I’ll Never Be Happy Again, excepto em Lisboa...” é uma espécie de murmúrio com algum humor, que aparece despreocupadamente, como se dirigir-se para o público fosse apenas facultativo, mas já que o faz, que se faça questão de que seja minimamente inteligente. Mesmo quando só quer recuperar o folêgo. “This song is called... Something,” suspira enquanto se prepara para tocar outro tema ainda não editado,“Trying Not To Stare At The Sun”. Friedberger, de botas de cowboy e uma camisa vintage, aparenta ser mais jovem do que realmente é, mas é a forma como esta seriedade está misturada com esperteza que lhe convém um ar de maior maturidade. Assim como cada membro da sua banda parecem divergir nas personalidades em palco, Friedberger mantém a sua particularmente camaleónica e situada no meio de todas as outras. No entanto, não haja dúvidas que o seu carisma marca presença em palco. Quando o ritmo acelera, inclina a cabeça para o microfone, determinada; quando os tons amolecem, fixa uma distância parecendo introspectiva; durante os silêncios, quando não toca guitarra, mexe nas unhas de cabeça baixa.

As canções que vêm do álbum «Last Summer», particularmente “Inn of the Seventh Ray” e “I Won’t Fall Apart On You Tonight”, têm uma sonoridade diferente ao vivo, pois perdem um pouco da sua calma enquanto Eatherly, Friedberger e Asti se juntam e aventuram para uma sessão de total desfreio das cordas das suas guitarras. Talvez fosse do calor (pedindo mais cerveja para o palco e mencionando “Isto é chamado o Aquário, certo? Nós estamos encharcados,” quando repararam nas pessoas que lá fora espreitavam para o concerto) mas os temas soavam um pouco mais a desespero e ao desassossego costumário de uma banda em digressão. De tal forma que abandonam o palco quase de forma abrupta, com poucas palavras de novo.

O encore foi respondido por uma Eleanor Friedberger sozinha que confessa, enquanto afina a guitarra, que vão tocar a uma cidade cujo nome ainda não consegue pronunciar – Guimarães, com a dificuldade característica que os nossos ditongos desafiam - e que a canção “One-Month Marathon” tem um verso sobre Portugal, uma private reference - para não usar joke - que só um seu amigo que estudou casas de pedra em terras lusas consegue reconhecer. Segue para uma cover, um solo acústico da canção “Dallas”, de Jimmie Dale Gilmore, a qual acaba abruptamente com uns acordes ao acaso e decide “okay, this oughta do it” como se estivesse insatisfeita. Os restantes membros da banda juntam-se para mais dois temas, e MacLeod ajoelha-se no chão para fazer do banco de cabedal a sua bateria (algo que, segundo Friedberger, nunca tinham feito antes). Depois de tocar uma canção de Buddy Holly, “(Ummm, Oh Yeah) Dearest”, finalmente agradece discretamente em português e acaba com um clássico: “True Love Tends to Forget”, de Bob Dylan.

Uma vez disse que tocar nos concertos eram a parte divertida da indústria musical, enquanto a produção e processo de criação não tanto assim, e isto é visível enquanto tocam, quando trocam sorrisos entre si, particularmente entre Friedberger e Eatherly, numa relação na qual Eleanor parece uma mentora orgulhosa quando John decalca um solo preciso. Mas parece que Eleanor Friedberger está a ganhar-lhe o gosto, se não pela adaptação das suas músicas ao palco. Não é um fenómeno raro quando um artista demonstra uma simbiose emocional com os temas que canta em palco, mas o punho cerrado que bate ligeiramente na coxa enquanto canta “there are other boys, too, but don’t let it worry you” mostra um cunho pessoal pesado, tão reprimido e íntimo que a própria já admitiu ser um bocado embaraçoso o quanto despeja as suas emoções e experiências pessoais na letra das canções. No entanto, o público promete guardar segredo, como o amigo que cala e ouve quando a pessoa só precisa de desabafar.


Alinhamento:
My Mistakes
I Don’t Want to Bother You
Heaven
I’ll Never Be Happy Again
Roosevelt Island
Glitter Gold
Trying Not to Stare At the Sun
Boys
Early Earthquake
Scenes from Bensonhurst
When I Knew (I was Wrong)
Inn of the Seventh Ray
I Won’t Fall Apart On You Tonight
~ENCORE~
One-Month Marathon
Dallas [Cover de Jimmie Dale Gilmore]
(Ummm, Oh Yeah) Dearest [Cover de Buddy Holly]
True Love Tends to Forget [Cover de Bob Dylan]




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Fotografia e Texto: Carolina Rocha
Cantora: Eleanor Friedberger
Local: Galeria Zé dos Bois, Lisboa
Data: 14 de Maio de 2012

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