[ENTREVISTA]: WALTER BENJAMIN



Quando me disseram para ir entrevistar Walter Benjamin, fiquei na dúvida se iria entrevistar o Walter Benjamin ou Luís Nunes, lisboeta de 26 anos que vive em Londres. Ele encontra-me numa segunda-feira, ao final da tarde, depois de uma longa jornada de entrevistas. Senta-se na mesa à minha frente algo cansado, voz um bocado rouca, usada de responder a inúmeras perguntas e de actuar num concerto intenso no sábado passado. Apesar disso, está visivelmente descontraído. Eu peço um café, ele uma cerveja, e brinco um pouco quando digo que depois da entrevista ainda tenho de lhe tirar uma fotografia. Embora não muito fã da ideia, lá encolheu os ombros com calma. “Depois arranjas-me o cabelo com Photoshop”, disse. Lembro-me da pequena nota mental sobre a identidade da pessoa que estou a entrevistar, como o tratar, se Walter ou Luís, mas foi a descontração que fez esse pequeno post-it perder-se pelo meio das perguntas que tinha para fazer.

Afinal, Walter Benjamin tinha retornado de Londres, acabado de actuar em 2 concertos, um dos quais intimista e com mais 12 membros e amigos de longa data, apresentando o seu novo e sincero álbum «The Imaginary Life of Rosemary and Me». Decido-me despachar, para depois lhe dar algum merecido descanso. Pergunto-lhe como correu o concerto, dele e dos seus “most wasted friends”.

“Correu muito bem,” acena com a cabeça, esboçando um sorriso. “Principalmente porque isto foi um bocado suicídio, no sentido em que vim de Londres exactamente 2 noites antes, onde toquei n’A Barraca, e no dia antes do concerto montámos o palco.”

Surpresa, lembro-me da parafernália toda em palco para 12 músicos no auditório. “E ter que montar tudo, e ter que ensaiar e fazer som e ter 12 pessoas disponíveis ao mesmo tempo não é possível, portanto foi um timing de muita improvisação, só que percorrer esse risco, viver com isso, com as pequenas coisas que acontecem sempre, e as pessoas que lá estavam… só essa energia vale a pena.”

Para quem está muito habituado a estar por trás das máquinas, estar no palco é diferente, mas não uma experiência menos intensa. “O palco é um sítio fascinante. E é um lugar muito especial, de respeito pois estás exposto às pessoas. Eu sempre cresci com este respeito e com esse medo que existe. Quando se está a fazer música num quarto, estás a criar uma coisa, estás a escrever, noutro tipo de criação completamente diferente. Acho que as duas são sensações que se complementam. Porque às vezes estás a tocar muitos concertos e já começas a ficar cansado, e vais para o estúdio e pensas que estás a mudar a rotina, a começar de novo.”

E para um produtor de música como ele, uma canção que provavelmente toleraria durante um dia inteiro seria qualquer uma das canções do álbum «Music for Airports», de Brian Eno. “São músicas grandes e repetitivas, só que são repetitivas de uma forma simples, não cansam,” explica, o que trás à conversa o tema dos aeroportos, local também abordado no álbum pelo single “Airports and Broken Hearts”. E admite-se aí, então, que os aeroportos têm um significado especial. “A distância que eu vivo na minha casa ao do sítio onde eu cresci, a cidade que eu mais gosto no mundo, que é Lisboa. Eu comecei a viajar muito e o aeroporto passou a tornar-se um local ao qual eu me habituei, mas o qual eu não gosto assim tanto por razões práticas. Há muitas coisas sobre aeroportos que são interessantes e até achei piada a questão do aeroporto exactamente por isso, porque é um sítio fascinante. Pessoas que estão a ir para todo o lado do mundo por todas as razões diferentes.”

Uma explicação com algum sentido, especialmente tendo em conta que o álbum, afinal, tem uma espécie de dupla nacionalidade. “Foi concebido entre Londres e Lisboa, algumas músicas são mais antigas, mesmo algumas são do período em que vivia em Lisboa,” explica. “O álbum espelha exactamente essas duas cidades. Comecei a gravar em Lisboa, e acabei de gravar em Londres, com músicos portugueses e com músicos ingleses. Portanto é um álbum que está muito dividido entre as duas cidades, tanto na escrita como na materialização do disco”.

A verdade é que o disco poderá ser tratado como um livro, pois conta uma história. Qual história é, Walter Benjamin acredita que isso seja uma questão pessoal e que cada um terá de o descobrir (mesmo a identidade da misteriosa “Rosemary”). Nem se importa que sejam tiradas várias interpretações distintas. “Escrever canções é glorificar – ou não, depende do que escreves e também de como o escreves – um momento que para ti foi uma sensação especial e tu não consegues transmitir exactamente essa sensação por palavras, ou não exclusivamente por palavras. E usas a música para que as pessoas sintam aquilo que tu sentiste. Mas obviamente que não vão sentir aquilo que tu sentiste, vão sentir uma coisa diferente. Mas a música tem esse poder também, não é?”

Apesar das possibilidades de interpretações serem múltiplas, nas linhas e entrelinhas, as canções são baseadas em alguma ideia já definida: “É raro a letra vir-me primeiro, por acaso. Ou vêm as duas coisas [letra e música] agarradas uma à outra. É-me difícil escrever música sem um conceito por trás, portanto se estou a escrever uma música, tem de ser sobre alguma coisa. Por isso já vem um bocado do que é que vai ser a letra da música.”

Afinal, este é um método muito natural, algo que vem desde muito cedo. “Comecei a estudar música e comecei a interessar-me por música muito cedo. Em 1997, tinha 11 anos, – lembro-me porque ainda a tenho guardada – comprei uma revista que se chamava Pro Música e custava 990 escudos. Comprei por acaso e era uma revista sobre equipamento de estúdio e tinha algumas entrevistas a bandas. Durante 2 meses eu li a revista de uma ponta à outra, e achei que era incrível,” explica. O pai, engenheiro, sempre teve muitas máquinas em casa. “Montes de engenhocas que não me deixava mexer, e sempre tive esse fascínio pelas máquinas. Não percebia nada do que lá estava nessa revista, mas comecei a querer saber. E tinha um CD com software de fazer música. E eu pensei «isto é incrível».”

Passado um ano, o pequeno Luís Nunes terá comprado o seu primeiro gravador de quatro pistas e passaria o tempo depois da escola em casa, a gravar canções com os seus teclados “quase de brincar”. “Tenho 1000 cassetes gravadas com porcarias que fazia,” afirma, de bom humor. Mas toca no cerne da questão, sobre aquela dicotomia entre o músico e o produtor, e como interagem um com o outro. Serão uma extensão? Embora a pergunta não seja má, Walter (ou Luís?) dá a volta ao assunto e resolve-o. “Acho que não há um que seja a extensão do outro, acho que são duas coisas quase indissociáveis,” remata. “O músico veio primeiro porque eu comecei a estudar música primeiro, e sem música não há produtor. O produtor é uma pessoa que é um músico ao mesmo tempo; não tem de ser músico no sentido estrito da palavra, mas ainda é alguém que lida com música e tem que saber música.”

Palavras de um membro de uma geração de músicos portugueses que, segundo ele, “ainda está para ser escrita muita coisa. Sobre não só esta geração, mas a nossa, acho que muita coisa pode ser dita e pode ser escrita. Esta é uma geração de músicos que se mexeu muito para começar a organizar coisas, e muitos dos projectos que estão agora a aparecer se calhar nunca teriam tido a oportunidade se não tivessem aparecido estas pessoas,” comenta, convicto.

Para além de que, na sua opinião ”devem considerar seriamente a internacionalização”. Quando lhe pergunto sobre o que limita esse processo, inclina-se para a frente, entrando em águas sobre as quais parece ter uma ideia muito bem definida. “Acho que que falta conhecer como os mercados de música funcionam, porque o nosso [português] é muito particular. Eu tive uma professora que me disse que nós precisamos de editoras para chegar à MTV. E eu disse-lhe que de onde vinha, bandas que não tinham editora ou com editoras muito independentes tinham chegado à MTV. Ela perguntou-me se era de Portugal, - e ela era americana – e quando lhe disse que sim respondeu que isso só é possível por termos um mercado muito específico. No entanto, temos essas coisas dos portugueses organizarem coisas, a conseguir juntar o pessoal e a boa vontade uns dos outros...

Estou a fugir completamente á tua questão...”
repara. Não, por favor, continua.

E segue: “Uma banda portuguesa, para se internacionalizar, tem de ir lá para fora. Ninguém sabe quem nós somos. O processo de internacionalização da nossa música tem que passar pela internacionalização do país. O fado tem uma recepção inacreditável [no estrangeiro], mas é um bocadinho muito específico da música. O que é a música portuguesa, ninguém faz ideia lá fora, nem querem saber, porque na verdade a ideia que as pessoas têm de Portugal é muito pré-concebida e muito específica. Portanto, à partida, seres de Portugal desvia logo o interesse.”

Parece algo derrotista, mas é mais uma questão de por mãos à obra que outra coisa. Afinal, os trabalhos de Walter Benjamin não são nada senão bem trabalhados. “O país tem que saber exportar a imagem do que é Portugal e o que é que há aqui. Acho que [a internacionalização] passa por isso. Os You Can’t Win, Charlie Brown foram para fora [para o festival South By South West], mas isso é exportar uma banda. E isso é o primeiro passo, é desbravar o mercado, e ver o que acontece e se for uma banda, se calhar pode começar outra, e outra, e outra... e eu acho que isso é possível, e isso vai ser o maior desafio. Nunca ganhámos o Campeonato do Mundo de futebol, mas também nunca conseguimos internacionalizar a sério uma banda. E isso é um desafio para qualquer músico.”
E teria-me dado por satisfeita aí, nessa questão, mas lembrei-me da que despoletou isto tudo e se perdeu. Quem é Walter Benjamin, afinal? “Uma personagem, um escritor de canções.”

E resposta quando lhe pergunto a diferença entre Walter Benjamin e Luís Nunes só deixa replicar um fair enough!: “O Luís não dá entrevistas.”

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Entrevista por: Carolina Rocha
Foto: Carolina Rocha
Músico: Walter Benjamin

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