Mão Morta | Teatro Rivoli | 03 Fevereiro 2011



Uma coisa é certa: por onde passam, os Mão Morta fazem correr rios de tinta e as Noites do Rivoli – iniciativa que antecede o festival Fantasporto – arrancaram em conformidade como um bom aperitivo.

Eram 22h e, num espaço composto por várias gerações de admiradores, a banda bracarense subiu ao palco e entrou no país do fantástico. As luzes apagam-se e ergue-se um timoneiro no grande ecrã tentando a custo manter-se à tona da água. Imediatamente damos conta que também nós vamos em frente, com eles, rumo a uma viagem cinematográfica. É esta a história.

Adolfo Luxúria Canibal, perdão, Freddy Kruegger de camisola às riscas, surge-nos de cara desfigurada e de garras afiadas a fazer lembrar um dos maiores clássicos de terror de todos os tempos. Afinal de contas, a realidade não existe: a fuga é para lado nenhum. Estaremos a salvo do nosso imaginário? Todos estavam mascarados no cenário: víamos um Hannibal, uma cabeça de Abóbora, um Alien que mais parecia um Predador, a Madrasta da Branca de Neve e até uma insólita Girafa que se movimentava como se estivesse possuída por algum demónio. Dentro deste filme, fomos constantemente encarcerados, fugimos ao nevoeiro e às nuvens escuras, voltámos à crueldade da infância. Sendo assim é natural que a rebelião chegasse a tomar conta de alguns - ainda que os lugares sentados não facilitassem a tarefa - e muitos se admirassem com a acalmia inicial.

Olhando de relance, a maioria dos que estavam na plateia eram trintões interventivos que de vez em quando perguntavam mesmo se tinham de estar quietos. A travessia prosseguiu por temas mais antigos e emblemáticos, atravessando em equilíbrio a discografia extensa dos Mão Morta. Passámos por Berlim e Paris e estivemos perto do infinito, a ver manchas de sangue a alastrar na parede. Adolfo Luxúria Canibal rodopiava, encenava gestos provocatórios e quase esquartejava a cara enquanto dançava até cair. Depois embrenhámo-nos nos novelos da paixão e enquanto subimos uma escadaria abrem-se as portas de uma casa assombrada. Tempo ainda de mistificar a tristeza com as Tetas da Alienação: gatos pretos, fotografias a sépia, esqueletos a correr, uma película a evocar o medo. O público estava a respigar com maior entusiasmo à medida que a noite avançava. Por entre as sombras, eles já sem máscaras no rosto, e Lisboa vê passar os eléctricos depois de ouvirmos as guitarras nas Tardes de Inverno. Um dos momentos grandiosos do espectáculo estava prestes a acontecer e a encerrar a primeira aparição da banda. Cão da Morte entoou bem alto e a voz estranhamente sussurrada de Adolfo Luxúria Canibal provocou-nos calafrios nos ombros. Os Mão Morta abandonaram o palco perante uma cenografia desoladora: uma boneca enferrujada ardia até desaparecer de vista e uma mão irrequieta, apesar disso decepada, entrava-nos pelos olhos adentro. Enquanto não regressaram à sala, o público parecia exigir a sua presença em palco pois batiam palmas e cantavam com devoção militar.

A banda voltou com mais três músicas. Adolfo Luxúria Canibal desafiou-nos a continuar a fazer o que temos estado a fazer durante a última hora e meia: fazer de morto. Os mais frenéticos aproveitaram a deixa para se levantarem e darem azo à controvérsia. Num crescendo de intensidade, a narrativa chega ao fim com a 1º de Novembro sob um céu aterrador a sofrer os efeitos de uma bomba atómica. A música é cantada em coro, as cabeças abanam-se sem cerimónias, prestando-nos a melhor lembrança da noite. Depois de nos convidarem a entrar num mundo caprichoso com risos maléficos e uma interpretação memorável, os Mão Morta despediram-se do Rivoli com vénias à plateia. Atrevo-me até a dizer que assistimos a um verdadeiro exorcismo naquela sala: depois da saída de Filipe La Féria o teatro voltou a encher-se de música e o público eclético não desiludiu.


Alinhamento:
Tiago Capitão
Ventos Animais
Vamos Fugir
Teoria da Conspiração
Berlim (Morreu a Nove)
Paris
O Seio Esquerdo de R.P.
Tu Disseste
Até Cair
Novelos da Paixão
As Tetas da Alienação
E Se Depois
Tardes de Inverno
Lisboa (Por Entre as Sombras e o Lixo)
Cão da Morte
~ENCORE~
Metalcarne
Fazer de Morto
1º de Novembro


































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Fotos: Ricardo Silva
Texto: Vanessa Silva
Agradecimentos: Fantasporto
Banda: Mão Morta
Local: Teatro Rivoli, Porto
Data: 3 Fevereiro 2011
Site Oficial da banda: www.mao-morta.org

2 comentários:

Nuno disse...

excelente! obrigado por me permitirem ver um concerto que não pude assistir. excelente.

Pedro disse...

Com as fotografias e a review levaram-me lá para dentro com uma pinta do caraças! Muito bom trabalho...

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