[ENTREVISTA]: A JIGSAW



Os A Jigsaw foram encontrados em frente das icónicas Ruinas do Carmo no Chiado, em Lisboa. Representados por João Rui e Jorri (são, de facto, dois Joãos, e a alcunha, apesar de já há muito estabelecida, é conveniente para evitar confusões), sugiro-lhes irmos a um café. “Força, se quiseres reaver a tua humanidade, estás à vontade.” diz João, enquanto seguimos para um lado das ruinas para uma das fotografias. No fundo, um homem toca acordeão, e João finge atirar-lhe uma moeda à moda antiga dos filmes. “Toca, meu bom homem!”

É esta teatralidade subtil e inteligente que caracteriza a personalidade dos A Jigsaw. De semblante tranquilo e calmo, a conversa começa logo com muito à vontade. Pedimos um café, para disfrutar sobre a vista da baixa lisboeta, ao lado do Elevador de Santa Justa.

Retornados de uma Tour por Espanha, João admite que denotam cada vez mais pessoas interessadas para os conhecer. “Já estivemos lá em Janeiro a fazer promoção, notamos sempre que há mais pessoas que nos conhecem, mais pessoas que estão interessadas em nos conhecer, sabem excertos da música, sabem mais sobre nós, mesmo coisas que não estamos à espera que saibam, algumas histórias sobre as músicas, algumas histórias sobre nós... isso nota-se, que há sempre pelo menos mais interesse em saber quem nós somos.”

Afinal, os A Jigsaw parecem descontraídos na estrada, tendo já feito uma digressão em doze países na Europa. João Rui diz que a audiência que encontra é sempre muito típica: “Foi uma experiência bastante enriquecedora. Tivemos contacto com diversos tipos de público e acabámos por ter um público mais ou menos homogéneo. Acho que se juntássemos todos esses públicos – teria de ser num grande estádio – eles acabariam por se entender muito bem, conseguimos encontrar uma certa intimidade com as pessoas que nos ouviram.”


Estando tanto tempo em digressão significa também uma dedicação à música total pelo grupo. Os A Jigsaw são uma banda em que a música é agora a sua vida, é a sua profissão, o que lhes dá mais tempo para dar às canções e para as atacar de novo. O novo álbum, «Drunken Sailors and Happy Pirates», é produto de muito trabalho, de análise, de muito tempo, e isso é aparente nas diferenças entre este e os últimos álbuns. João Rui chegou-se à frente para explicar no que consiste essa diferença: “Há sempre diferenças de álbum para álbum. Suponho que seja também do enriquecimento pessoal. O conceito deste álbum é a construção da identidade, e chega-o a ser para o que nós somos no momento de construção. No último álbum tocamos 3 instrumentos ou 5. Neste chegamos a tocar 27. Portanto há essa diferença imediata. Há essa diferença também no trabalho literário. Tivemos bastante tempo para trabalhar nele.”

“Existe aquele momento em que ouvimos a canção e dizemos “isto não precisa de mais nada”.” Explica João sobre o processo. “Isto acontece na composição. Depois há a parte em que nós a vamos adornar, em decidir que instrumentos vamos usar. E isso aí também tem esse momento em que se diz “okay, a canção não está a pedir mais nada.”
Jorri ainda inclui: “Há um momento em que há uma ideia, há um lugar, e é quase irracional, em que se sente que está aqui uma canção. E ela acabou de nascer. É agora o que temos de fazer é não a estragar.”

Essa diferença de instrumentos dá-se a um processo gradual, uma demanda pelo único, pelas sonoridades que contam, por si mesmo, uma história. O adquirir instrumentos era uma necessidade, o adquirir instrumentos que tenham uma identidade própria tornou-se um vício. “Acho que é o único vício que nós temos, essa ávida procura de instrumentos que tenham mais idade do que nós,” diz Jorri.

João explica o porquê da importância da idade nos instrumentos: “A partir da década de 80 começa o digital e o digital começa a estragar um bocado as coisas. A partir que eles começam a ter esse lado digital, começa a perder a unicidade que existe em cada um dos instrumentos. É mais fácil um ser igualzinho ao outro. Então nós somos capazes de levar uns 7 ou 8, mas cada um deles tem o seu som, e nós, é certo que poderíamos usar um em estúdio e depois altera-los, manipula-los, e nós poderíamos andar a esconder a voz original desses.”

Apesar dessa ligação à antiguidade (e antiguidade parece mais pejorativa. Vamos escolher “história”) dos instrumentos, os A Jigsaw não maldizem a proximidade que a nova geração internauta aproveita com a internet, utilizando-a mesmo assim. “Eu gosto muito desta proximidade musical que há. A nós faz-nos muita confusão a palavra “fã”.” Diz João Rui. “Eu não as encaro enquanto “fãs”, encaro as pessoas que acompanham o trajeto musical. E esta proximidade não faz aquela imagem de fã mas a presença de alguém que diz “eu gosto da tua música, eu gosto de acompanhar a tua música”, e essa proximidade que a internet permite é absolutamente fantástica. Eu recordo que há muitos anos atrás, quando ouvia uma banda, gostava de poder entrar em contacto com eles e transmitir-lhes a forma como a música deles me tocou a mim. E nós agora podemos fazer isso. E para nós obviamente é muito bom porque é muito bom comunicar com as pessoas e mesmo os músicos com quem tivemos a oportunidade de convidar, foi a net que permitiu o contacto.”

Jorri admite o lado romântico dessa busca por uma alma gémea musical, na qual têm de encontrar a sua própria voz mesmo neles, de forma a encontrar uma simbiose com a personalidade e a história dos músicos e dos instrumentos. “Há um lado romântico também, de haver uma ligação qualquer àquele instrumento, que tem aquela identidade muito própria, que já vem cheio de riscos e já tem várias histórias para contar. Quase de colecionador, como quem vai há livraria, em vez de uma Fnac ou uma Bertrand, ir aos alfarrabistas e procurar os livros antigos e há esse cheiro, essa textura, do que é diferente, do que é antigo, que já passou sabe-se lá pelas mãos de quem, e de às vezes procurar as histórias que eles mesmos têm para contar.”

Tudo para construir um... livro, que é algo equiparado ao novo álbum pelo próprio João: “O álbum é acerca da construção da identidade. E o «Drunken Sailors and Happy Pirates» é uma metáfora que designa tanto as pessoas como algumas personagens históricas, coisas que nos tornaram naquilo que nós somos. Há personagens que encontraram lugar neste nosso álbum, que nos transformaram a nós enquanto músicos, enquanto pessoas, algumas que nos transformaram desde a infância, outras que nos transformaram talvez mais tarde, mas são estas aqui que são, de certa forma, celebradas neste álbum. É essa imagem que nós temos do horizonte que nós tínhamos para seguir em diante.”

São apenas 12 canções, depois de elaborarem cerca de 35. Estas 35 serão todas lançadas até ao final do ano, garantem, todas acompanhadas pelos seus respetivos vídeos, que contam com colaborações de realizadores espalhados por todo o mundo. Muito trabalho pela frente, admitem.

Para os aspirantes a músicos, Jorri dá o seguinte conselho: “Muitas pessoas gostariam de ter uma banda e divertir-se mas se calhar não querem mesmo músico, é ter como um hobby. Agora para quem quiser fazer da música a sua vida, primeiro acho que é bom tentar saber o que é que é isso. É o ouvir música, é o ler, é até aprender como é que os instrumentos funcionam, como se cuida deles, saber como é que funciona esta indústria toda da música. Acho que quanto mais cedo se tiver a noção dessa realidade do que é ser músico, e não a visão platónica da paixão que se tem ao ser músico”

João tem uma ideia mais simples: “Façam um plano, e se quiserem mesmo tirar o projeto da garagem, querem fazer da música a vida deles, é traçar um plano. Porque é que vamos fazer este concerto, porque é que vamos fazer este ensaio. Acho que devem arranjar uma razão para tudo. É fazer um plano e manter a exequibilidade desse plano. Serem assertivos nisso.”

Os A Jigsaw prometem mais música, mais histórias a contar, a convidar a ler e a escutar. Fica um convite, um gracejo, a Tom Waits para berrar no fundo da sala ou Leonard Cohen a beber um café e a fumar um cigarro enquanto os ouvem, entre outros. Porque desejam que a sua música seja um ato de partilha, mesmo sendo uma coisa tão intima como a própria construção da identidade através da música, desde a infância, através das várias referências. É mesmo por essa razão que realizam tantas colaborações no seu trajeto musical. É uma viagem que se mantém até ao final dos nossos dias, e a banda quer partilhar e celebra-la. Afinal, logo depois da entrevista, os dois partiram não muito tempo depois à Alemanha, quais Dom Quixotes, onde ficam durante 3 semanas.


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Entrevista por: Carolina Rocha
Foto: Carolina Rocha
Banda: A Jigsaw

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