[REPORTAGEM]: Vodafone Mexefest | Avenida da Liberdade | 7 de dezembro 2012



Foi por entre gritos de baristas que queriam despachar os seus pedidos e por shots de toffee nut lattes de oferta que começou o primeiro dia do Vodafone Mexefest. Mais de 50 bandas espalhadas por diversos palcos, aqueceram as frias noites de Dezembro.

Os The Stonewolf Band são de Cascais, e isso nota-se pela sua vertente tão intrínseca ao mar e ao surf rock e pela atitude positiva enquanto tocam. A banda vai buscar detalhes que muitas deixam de lado ao vivo, e o divertimento ao tocar é visível, quer pelas caretas do baterista, quer pelos sorrisos e acenares de mão enternecedores por parte dos restantes membros. Se terá sido o cappuccino que veio mesmo a calhar ou os ritmos exóticos que chegam desde o ska ou ao roots, ou tudo ao mesmo tempo, algo acabou por aquecer os espetadores que na sua maioria iriam enfrentar uma noite fria e árdua a galgar os arredores da Avenida da Liberdade, mas com um trejeito de surfista no andar.

Samuel Úria subiu ao palco do Teatro Tivoli BBVA para apresentar algumas das canções que farão parte do próximo álbum «Grande Medo do Pequeno Mundo». A sala meio cheia nem por isso intimidou o músico que ainda no início elogiou “esta sala tão bonita com gente tão bonita”.
À semelhança do que aconteceu no ano anterior, o constante entrar e sair de público por vezes quebra a mística que se cria entre músicos e plateia, mas Samuel Úria é o verdadeiro mestre de cerimónias e, apesar do constante corrupio de pessoas, não conseguimos tirar os olhos do músico.
Mesmo com todos os olhos postos em si e na sua dança de pernas bamboleantes, o fundador da FlorCaveira não deixou de apresentar os convidados que trouxe consigo: Márcia e Miguel Araújo.
O músico português navegou nas novas composições sem esquecer as mais antigas que o deram a conhecer. O seu jeito aprumado, de fato, cabelo puxado e um tanto ou quanto rockabilly condiz com as suas canções, ora destiladores de rock ‘n’ roll, ora suplicantes e românticas.
A cereja no topo do bolo chegou com a entrada em palco do Grupo Coral 12 Pessoas Ao Todo. Numa colaboração perfeita e irrepreensível, as canções de Úria ganharam outra dimensão e roupagem, completamente adequadas ao espírito do Vodafone Mexefest.

O Ateneu Comercial de Lisboa recebeu uma das mais curiosas e interessantes bandas do espectro electrónico português.
A The Discotexas Band é exactamente aquilo que o nome indica: a banda da editora Discotexas. Composta pelos embaixadores deste selo português, Moullinex, Xinobi, Da Chick e Luís Calçada, os músicos juntam-se para, em celebração, tocarem as músicas uns do outros. E fazerem uma grande festa. Uma festa que se ouvia na entrada do Ateneu, apesar de o concerto ter sido no primeiro andar!
A sala despida de público, no entanto, revelava a má escolha de hora para a atuação da The Discotexas Band. A componente electrónica, a pujança com que se apresentam em palco, (especialmente Da Chick), e o volume para o qual calibram os amplificadores teria resultado muito mais se a noite já fosse avançada e se este espaço desse lugar a um qualquer after hours. Ainda assim, quem estava não teve vergonha e dançou ao ritmo nonstop da banda que brindou os presentes com o que cada um dos elementos faz de melhor pelos meandros electrónicos.

Se alguém tinha dúvidas sobre a localização onde os Madrid (de São Paulo, lembram eles) iriam tocar, bastaria seguir o instinto e tentar ir ao local com mais luzes vermelhas e nichos escuros incluído no itinerário do festival. O Cabaret Maxime não chegou a encher, estando a audiência sempre móvel, mas o ambiente estava lá, encabeçado pela dupla do ex-Cansei de Ser Sexy, Adriano Cintra e a ex-Bonde do Rolê, Marina Vello. Apesar da escuridão e do semblante discreto, sentiam-se em casa, brincando um com o outro em cima do palco, causando risos igualmente discretos por entre o público e formando uma grande empatia. “Está a tocar a Ivete Sangalo aqui ao lado?” pergunta Marina quando vê a audiência esvair-se quando Alt-J, uma das cabeças de cartaz e maiores enchentes da noite, ameaçava. De renda que deixa pouco a adivinhar, beicinho vermelho e melena à frente do olho, mas com uma doçura na voz grave e trejeito de menina ao dançar, aliada à talentosa multi-instrumentalidade a e voz arranhada de Cintra, formaram uma sonoridade sinuosa que se arrastava pelos cantos e locais escondidos e mordia os lóbulos das orelhas de quem lá tinha ficado a ouvir e a curtir.

A banda sensação de 2012, e do primeiro dia do Vodafone Mexefest, encheu até ao limite do aceitável a lotação do Teatro Tivoli BBVA.
Os Alt-J voaram de Leeds diretamente para a sala lisboeta para provar porque são dignos de tanto hype.
Com um Mercury Prize acabado de ganhar, graças ao álbum de estreia «An Awesome Wave», a expectativa e a responsabilidade eram muitas.
Mas a julgar pelo público devoto é fácil de perceber que a tarefa fui bem cumprida.
Os Alt-J são um pouco como um puzzle. Compostos por muitas influências, desde as mais folk às mais alternativas, passando pelo psicadelismo e por algumas sonoridades tribais, nem sempre é fácil perceber como é que tudo se encaixa. Assim como não é fácil perceber de onde partem e para onde vão as suas melodias.
Os ingleses são claramente o produto de muita experimentação, musical e não só. Lisboa gostou de partilhar a experiência, com toda a sala a plaudir de pé, muitas mãos no ar a fazer símbolos triangulares e muitos assobios galanteadores.
A estreia dos Alt-J em Portugal recebeu nota mais que positiva.

Na Casa do Alentejo, de tetos elaborados mas com a idade a escamar nas arestas, o ex-Girls Christopher Owens trouxe um grupo de talentosos músicos, entre os quais Matt Asti, baixista dos MGMT, que esteve cá em mais do que uma ocasião, a acompanhá-los ou a Eleanor Friedberger. Escapando a ideia cliché de que Owens parecia o fantasma pálido de Kurt Cobain, de cabelo escorrido pela cara e camisa aos quadrados, só o poderia ser se os anos o tivessem amansado e amaciado em muito, ainda que mantendo uma bagagem emocional que muito poucos se atreveriam a mexer. Quando a enchente dos oito instrumentos se assomava, a voz de Owens parecia desaparecer, mas em momentos mais suaves demonstrava uma fragilidade e sensibilidade muito difíceis de encontrar. “Consigo-vos ouvir a dizer que o tocador de harmónica é espetacular. Têm toda a razão,” diz entre sorrisos tímidos. E com toda a razão, de facto.

Cody ChesnuTT será para sempre conhecido como o autor da canção “The Seed”, popularizada pelos The Roots. Na primeira noite do Vodafone Mexefest, o norte-americano foi muito além dessa singela ligação pela qual deu a cara em 2002.
O cenário não podia ser mais perfeito: o exterior de Estação do Rossio, a lua e o Castelo de S. Jorge como pano de fundo.
A figura peculiar que é Cody ChesnuTT subiu ao palco e encontrou uma plateia perfeita em tamanho e em devoção. Em pouco tempo parecia que estávamos numa qualquer noite de verão (até o frio deixou de se sentir), a apreciar boa música ao vivo, com um copo na mão.
O soul, o R&B e a pitada rock q.b do músico americano têm destas proezas. Quem o conhecia cantou a plenos pulmões, quem nunca tinha ouvido falar deixou-se conquistar pela simpatia. A boa onda do público lisboeta valeu um encore, já sem músicos a fazerem-lhe companhia. Uma canção tocada ao piano que serviu para terminar da melhor forma possível.
Cody ChesnuTT mostrou, sem qualquer espaço para dúvidas, porque razão é um dos autores mais aplaudidos no movimento do soul alternativo. Ficou a vontade de vê-lo em nome próprio muito rapidamente.

Segue-se para o Ateneu Comercial de Lisboa onde tocavam The Two Bears, DJ set composto pelo Hot Chip Joe Goddard e Raf Rundell. À entrada do local era fácil discernir os sorrisos e a plateia completamente transformada num dancefloor, e aqueles que esperavam que inundassem o espaço os trabalhos do último álbum «Be Strong». No entanto, ainda alguém berra sobre a batida “Para isso ouve o álbum!”. A sala manteve-se sempre bem preenchida embora sempre com movimento.

Sentados no Cinema São Jorge? Muitos eram os sobrolhos franzidos de suspeição de quem entrava na sala de cinema e conhecia quem iria atuar. Victoria Hesketh, ou Little Boots, é pequena, de facto, mas compensa pela sua presença e simpatia. Lembrando uma Allison Goldfrapp mais comercial e sem sair da fase de teenager, com brilhantes nas pálpebras e mais virada para o vodka limão do que para o copo de vinho tinto, dança no topo de uns sapatos plataforma que mais parecem arranha-céus e injeta um poderoso baixo que não existe nos discos aos seus temas. “Não fazemos música propriamente para ouvir sentado. Se quiserem, levantem-se!” exclama, fazendo com que o público, no início maioritariamente sentado, se levantasse todo para dançar e causar o maior dos pesadelos aos voluntários que tinham a simples tarefa de manter os corredores da sala de cinema desocupados. Temas como “Remedy” e o mais recente “Shake” contagiaram de adrenalina e mudaram as ideias de quem esperava acabar a noite por ali.

Dizer que Robert DeLong é um Dj comum, está muito longe da verdade. Assumir que este americano é mais um produtor de música electrónica, também está longe da realidade.
O que Robert DeLong é, é um músico multifacetado, produto completo da geração multitasking.
Apresenta-se rodeado por um parafernália de gadgets e instrumentos, entre eles joysticks, comandos de Sega, e do que mais conseguir arrancar um som para fazer samples.
Tudo isto despertou a curiosidade dos visitante do Vodafone Mexefest, que se apresentaram em massa no nº 57 da Rua da Glória. Ainda antes de começar já a sala estava cheia de gente e na rua a fila era imensa.
Entre samples conhecidos (Moby, logo de início) e criações suas, Robert DeLong viaja pelas inúmeras possibilidades da electrónica, ora em versão mais comercial, ora em rasgos de dubstep, ora roçando o alternativo.

Tanto à porta do Cabaret Maxime como do Ritz Club estavam filas intermináveis. Gala Drop encheu o Cabaret Maxime e dificultou a entrada de muitos que queriam ver a banda maioritariamente portuguesa ao vivo para saber o porquê do grande alarido em cenas mais underground. De teor altamente psicadélico e quase electro shoegaze com uns tons tropicais, mostrou porque o nacional é bom e proporcionou um ponto final à noite daqueles que por lá decidiam ficar. Entretanto, no Ritz Club, o DJ britânico Trus’Me, ou seja, David James Wolstencroft, mostrou uma after party de difícil acesso mas com um poderio que se entranha e embala.

Terminava assim a primeira noite do Vodafone Mexefest. Tempo de recarregar baterias e regressar no dia seguinte.


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Fotografia: Angelo Mendes e Nuno Lopes
Texto: Carolina Rocha e Inês Mendes
Reportagem: 2º dia | 8 dezembro 2012
Agradecimentos: Música no Coração
Data: 7 de dezembro de 2012

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