[REPORTAGEM]: Richard Hawley | TMN ao Vîvo | 22 de outubro de 2012



Ao entrar no edifício do TMN ao Vivo, no passado dia 22 de outubro, caminhavam para o palco o dueto Smoke Fairies, grupo que serviu como prelúdio ao concerto de Richard Hawley. Britânicas, mas com autocolantes dos Estados Unidos e Canadá nos malões de viagem onde levam as suas guitarras vintage, Katherine Blamire e Jessica Davies à primeira vista candidamente cantam apenas com a companhia das suas guitarras e delas mesmas. Apelam a uma simplicidade aliada a uma trança de vozes capazes. Com subtilezas folk tanto britânicas e americanas, com tangentes quase célticas, este entrançado é por vezes apertado, quase uníssono, e outras largo e laço: é nesses momentos, quando mostram a sua descontração entre atingir trinares e lamentos e a sua simbiose, que se julga presenciar um potencial que poderá chegar longe. De início, poderá ser apenas um dueto de meninas que soam bem e inocentes, mas é quando se ouve as suas palavras que se testemunha a profundidade dos seus temas. Afinal, não deverá ter sido por nada que a editora de Jack White as apanhou. Quando se despedem, agradecem, dizem que vão estar a distribuir autocolantes, a vender álbuns [dois, até agora: «Through Low Light and Trees» e o último «Blood Speaks»] e conversar um bocado. Após essa conversa, confessam que gostariam de voltar.

O público lá presente é difícil de descrever salvo através da faixa etária, mas para escapar a qualquer ideia pré-concebida sobre datas de nascimento e o que isso poderá significar em termos de preferência musical, diga-se apenas que entre alguns grupos de britânicos de sotaque carregado, se via a cara de Edgar Allen Poe estampada numa mala e ouvia-se menções de Sharon Van Etten.

Aparece Richard Hawley, um dos grandes nomes da música britânica desde os anos 90, acompanhado pela sua banda. De cabelo puxado para traz e casaco de cabedal, estabelece-se em frente a um atril com letras das suas canções, num caderno que parece ter sofrido mais do que um milhão de folheares, sob as colunas de luz feitas pelo ar condensado que se arrastou da noite húmida para dentro do edifício. A audiência não chegava sequer a meia casa, estando o segundo piso fechado ao público, mas sentia-se pelo menos um rés-do-chão bem preenchido no ar, só mesmo pelo clima.

Depois de perguntar se estávamos lá [“Hi. Hello? Okay, let’s start.”] começa sem introduções: “Standing at the Sky’s Edge”, single do novo álbum com o mesmo nome, abre as hostilidades com tons de blues, mas mais desesperados. É a voz de Hawley que é praticamente impossível de dissociar do seu estilo quase rockabilly mas demasiado british para realmente o ser. Enquanto que os seus trabalhos mais antigos estão intrinsecamente ligados ao género de britpop baseado em baladas que poderiam ter saído do escritório de Leonard Cohen e sido severamente lavadas a lixívia e um pouco de ácido, este novo álbum tem uma componente que mostra que Hawley não tem mais nada a provar. Experimenta apresentar um trabalho que não é tanto suposto ser tocado em áreas mais intimistas, mas que deve preencher as salas de cinema com os seus crescendos pesadamente instrumentais após uma sequência lírica. Apesar do retorno a este estilo que se passou numa fase mais despercebida do cantor-barra-produtor, aqueles que lá estão para o ouvir estão visivelmente a gostar, mesmo que não seja um género de música que os eleve a grandes êxtases. Ainda se nota aquele “ah” de reconhecimento quando temas mais antigos, como “Hotel Room” mostram os seus primeiros acordes, e é no registo mais dos 50s, de crooner, que o público parece gostar mais. As senhoras baloiçam-se, balbuciam a letra de forma discreta mas com sorrisos nos lábios, e é quase impossível não imaginar uma saia rodada e uma camisola atada à volta dos ombros das mesmas por certos segundos. A própria voz de Richard Hawley parece abandonar o registo mais grave e soturno, para um tom mais sonhador, um pouco mais doce e acessível.

É nesses momentos que se descobre porque encanta tanta gente. É também nos momentos entre as canções, com um sentido de humor tipicamente britânico mas completamente acídico e resoluto que conquista aqueles que não são tão dados a temas tão românticos. Quando apresenta “Tonight the Streets are Ours”, Hawley dirige-se ao público, pede desculpa por não saber português, e admite de forma ironicamente eloquente que de facto quase não sabe falar inglês sequer.

Com a determinação de uma figura carismática na cena musical britânica e internacional e com o sentido de humor de pub, declara que os governantes europeus deviam ser içados de cabeça para baixo em candeeiros de rua. Que até não se importava de puxar a corda para os elevar lá, e diz-lo com os olhos orientados para o horizonte, a pensar no assunto. Deixada a sua posição, porque é importante mostrar uma opinião, apresenta de novo a canção, diz que apesar de estar num filme nomeado para um Óscar, ganhou mais notoriedade quando passou na série televisiva The Simpsons. “The kids find it cool”, diz.

A mestria e sofisticação das canções, debruadas com arranjos instrumentais, está lá e é patente. São canções de trovador cuja mistura entre o vintage e elementos atuais é realizada por um chefe que as sabe cozinhar bem, e, se atentarmos à contínua troca de guitarras por parte do guitarrista e de Hawley, com a intensidade e versatilidade necessárias para que a sonoridade dos instrumentos transforme cada canção em algo que é difícil de encontrar noutro artista. “Soldier On”, a canção mais “calma” de sempre, de acordo com Hawley, o catártico “Leave Your Body Behind You” e o tom sombrio e quase psicadélico de “Before” são prova disso mesmo quando colocadas de forma sequencial.

“Open Up Your Door” é uma balada que prova que é possível cantar sobre amor de perdição sem parecer um pinga-amor. Mesmo quando se toca no microfone como se este fosse feito de dentes-de-leão. Ainda porque aqueles dedos estão extremamente calejados pelas cordas de uma Gretsch e suas outras companheiras. A minúcia daquele que criou a adaptação das notas da canção dos Red Hot Chilli Peppers, “Under the Bridge”, para criar a versão utilizada pelo grupo feminino All Saints nos anos 90, é reconhecida pela simplicidade quase jazística de alguns compassos. Versos que compõem o ritmo dos temas quando a bateria está ausente [e a presença desta apenas faz aumentar a intensidade de cada canção], cria uma atmosfera magnética dirigida para o palco. Ainda assim, é fácil determinar um padrão nas canções, e por vezes, se não fosse o sentido de humor de Hawley a apresentar-se como um travesti que vem de Bilbao chamado Susan, o seu carisma enquanto agradece a todos pela sua presença, extremamente consciente que as coisas não estão fáceis, e brindando a audiência à sua frente com uns valentes goles de vinho tinto, quem não conhecer os temas com maior interesse poderá confundir-se entre os crescendos e solos de guitarra que, apesar de excelentes, conseguem ser algo repetitivos. Mesmo assim, quem sai do concerto depois do bombástico “Down in the Woods”, o frio “Lady Solitude” e o muito pedido “The Ocean”, o público sai de lá de consciência perfeitamente lavada. Alguém grita “I love you, Susan!”, ao que Richard apenas replica com um afável “I love you, too, brother.”

Alinhamento:
Standing at the Sky's Edge
Don't Stare at the Sun
Hotel Room
Tonight the Streets Are Ours
Seek It
Soldier On
Leave Your Body Behind You
Before
Open Up Your Door
Remorse Code
Time Will Bring You Winter
Down in the Woods
~ENCORE~
Lady Solitude
The Ocean

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Texto: Carolina Rocha
Agradecimento: Everything is New
Músico: Richard Hawley
Local: TMN ao Vivo, Lisboa
Data: 22 de outubro de 2012

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